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08/03/2022

Folha de S. Paulo: Liderança política feminina reduziu danos da Covid em prefeituras, aponta estudo

Já se sabe que lideranças políticas têm impacto crucial nos resultados sociais e econômicos da determinada população sob seu governo. Com isso em mente, quem você colocaria no comando da administração pública municipal de sua cidade para enfrentar o desafio de uma grave crise global: um homem ou uma mulher?

O economista Luiz Meloni, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, diz não titubear. “Uma mulher, com certeza. A literatura científica já apontou que, na média, elas são melhores que os homens em muitas dimensões da vida pública.”

Ele cita estudos que indicam associação entre lideranças políticas mulheres e melhoria na provisão de bens públicos ligados a saúde e educação, além de uma menor propensão à prática de atos de corrupção. Não é pouca coisa.

Mas foi uma pesquisa recente, da qual Meloni é coautor, que sacramentou sua posição. Publicado no Journal of Economic Development, o estudo investigou a performance de lideranças mulheres durante a crise da Covid-19 e apontou que cidades que elegeram prefeitas mulheres tiveram desempenho melhor na contenção da primeira onda da pandemia do que aquelas que elegeram homens.

“O estudo mostrou que, se você escolher uma mulher como liderança política, tem uma chance maior de ter uma boa gestão de crise no seu município”, conclui Meloni. “Mas, como o resultado é uma média, não quer dizer que toda e qualquer mulher teve um melhor desempenho que os homens.”

Em um país que bateu a marca das 650 mil mortes provocadas pelo novo coronavírus, os municípios comandados por mulheres tiveram, em média, significativa redução do número de mortes e de hospitalizações por 100 mil habitantes quando comparadas aos governados por homens.

Prefeituras sob liderança feminina também adotaram, em média, mais das chamadas intervenções não farmacêuticas, tais como uso obrigatório de máscaras, fechamento de serviços não essenciais, limites em aglomerações, redução de transporte público e adoção de cordões sanitários, que limitam a entrada e saída de pessoas nas cidades.

O estudo usou informações de 1.222 municípios e se baseou num modelo econométrico chamado regressão descontínua, a partir do emprego de bases de dados do Ministério da Saúde, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do Tesouro Nacional e de uma pesquisa realizada com os municípios em parceria com a Confederação Nacional de Municípios.

“Para garantir que os municípios fossem comparáveis, além de informações como tamanho da cidade e de sua população, distribuição por idade e escolaridade, gastos com saúde antes da pandemia e estrutura hospitalar, olhamos para o pleito de 2016”, explica Meloni. “E restringimos a amostra aos municípios em que candidatas mulheres competiram com candidatos homens e ganharam ou perderam por uma pequena diferença. Esses municípios eram muito parecidos.”

Com isso, o estudo encontrou que a eleição de lideranças mulheres estava associada a uma queda de cerca de 49 hospitalizações por Covid a cada 100 mil habitantes, o que representa cerca de 32% da taxa média das cidades que elegeram homens.

Isso quer dizer que, enquanto nas prefeituras administradas por homens ocorreram, em média, 154 hospitalizações por 100 mil habitantes em virtude do Sars-CoV-2, nas cidades sob o comando feminino esse número foi, em média, de 105 hospitalizações por 100 mil habitantes.

No caso das mortes provocadas pelo novo coronavírus, o impacto da liderança política feminina também é significativo. Enquanto cidades com prefeitos homens tiveram, em média, 58,7 mortes por 100 mil habitantes, municípios com prefeitas mulheres registraram 35,1 mortes por 100 mil habitantes.

Esses cálculos sugerem que, se metade dos municípios brasileiros tivesse uma mulher à frente da prefeitura, tudo o mais igual, o número de mortes por Covid-19 teria sido cerca de 14% menor, salvando 75 mil vidas.

Segundo Meloni, “a primeira coisa que poderia explicar esse resultado é o gasto em saúde, mas não encontramos diferença nos gastos de saúde entre os municípios com prefeitos homens e mulheres”. Os economistas observaram, então, as já mencionadas medidas não farmacológicas.

“Todos os municípios adotaram alguma dessas medidas, mas aqueles liderados por mulheres implementaram 10% mais medidas do que as cidades com lideranças masculinas”, diz ele.

Meloni conta que o que mais o surpreendeu no estudo foi a magnitude dos resultados alcançados com pequenas medidas adotadas pelas prefeitas e o efeito maximizado dessas medidas nos municípios em que o presidente Jair Bolsonaro venceu as eleições de 2018 com maior margem de vantagem, nos quais o impacto negativo sobre mortes e hospitalizações foi maior que a média.

“Mulheres fizeram mais diferença onde Bolsonaro é mais popular”, afirma o economista. Se demonstrações do presidente contrárias às medidas não farmacológicas, como quando ele promoveu aglomerações sem máscara no início da pandemia, influenciaram seus eleitores a desrespeitar as medidas sanitárias de contenção da pandemia, a gestão de mulheres, adotando mais dessas medidas protetivas, teve impacto maior.

“Os resultados são consistentes com a interpretação de que, nesses lugares, mais pessoas estavam desacreditando tanto da gravidade da pandemia quanto da eficácia das medidas preventivas e, portanto, a atuação das lideranças políticas femininas teve efeito ainda maior.”​

Fonte: Folha de S. Paulo e Agência Aids

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