A Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil) acaba de enviar carta aberta ao Ministro da Saúde, o engenheiro Ricardo Barros. O documento, enviado por email à chefia de gabinete do ministro e à secretaria executiva do Ministério da Saúde, também seguiu ao Conselho Nacional de Saúde e à Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às DST/HIV/AIDS do Congresso Nacional. Confira a carta aberta abaixo:
CARTA ABERTA DA REDE NACIONAL DE PESSOAS COM HIV E AIDS AO MINISTRO DA SAÚDE
Fortaleza, 16 de maio de 2016.
Exmo. Sr. Ministro da Saúde
Engenheiro Ricardo Barros
c/c Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às DST/HIV/AIDS do Congresso Nacional
Conselho Nacional de Saúde
Senhor Ministro,
A Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+BRASIL), movimento de pessoas com HIV tecido a partir de 1995, dirige-se a V.Exa. com a finalidade de desejar uma excelente gestão na alta responsabilidade assumida à frente do Ministério da Saúde, e apresentar sua perspectiva sobre a situação do HIV/AIDS no Brasil.
Não compartilhamos a ideia de que a epidemia de aids esteja “estável” e “controlada” no Brasil, como oficialmente apresentada. Análises epidemiológicas de renomados pesquisadores, além de nossa vivência no cotidiano, embasam esta afirmação de não reconhecimento pelas Pessoas Vivendo com HIV e AIDS.
A divulgação desta epidemia irreal, no nosso entendimento, desmobiliza ações de saúde na prevenção e assistência, provoca o desfinanciamento das ações de saúde, amplia a exclusão dos serviços públicos de saúde. Sem ânimo de esgotar os dados epidemiológicos, basta dizer que o número de óbitos anuais por aids é de mais de 12.000 pessoas, atualmente.
A epidemia de aids no Brasil vem sendo marcada pela diferenciação regional e está descrita em diferentes populações, denominadas populações-chave pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tais como homens que têm sexo com homens, usuários de álcool e outras drogas, trabalhadores e trabalhadoras do sexo, população transgênero e população privada de liberdade. Tanto a região sul, especialmente no Estado do Rio Grande do Sul, como a Região norte, em particular no Estado do Amazonas, a situação é especialmente grave. Some-se a isso a situação do Estado do Rio de Janeiro. Em que pese a divulgação de estar tudo sob controle da gestão anterior, ela mesma já tinha, inclusive, começado atividades especiais de ação nestes estados, reconhecendo sua gravidade.
Quanto às populações-chave, elas devem ter seus direitos como cidadãos, entre eles o direito à saúde, permanentemente monitorados para conseguirmos vencer esta epidemia, ou pelo menos o seu recrudescimento. Seja o direito à prevenção como o direito à assistência.
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS), em conjunto à Organização Mundial da Saúde, estabeleceu metas na área de tratamento e metas na área de discriminação e estigmatização como condições necessárias para impor o controle da epidemia de HIV até 2030. Elas são as denominadas Metas 90-90-90 e Zero Discriminação.
Com as ferramentas existentes na atualidade, seja na área de tratamento (novos medicamentos mais benignos e mais eficazes para tratar da saúde das pessoas com HIV) como na área de prevenção (das pessoas que não têm HIV), onde novas tecnologias, além do preservativo, estão desenvolvidas e colocadas em prática em vários países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento. Entre elas estão a PEP (profilaxia pós-exposição) já em vigor, e a PrEP (profilaxia pré-exposição) anunciada para o final desde ano pela gestão.
O tratamento de coinfecções, tais como Hepatite C e Tuberculose, nas pessoas com HIV é especialmente importante pela sua frequência. Assim, o tratamento fornecido na atualidade deve cobrir as brechas existentes e também negociar o lote que terminará em outubro deste ano.
O diálogo e parceria com a sociedade civil organizada, sejam as redes de pessoas com HIV, as ONG/AIDS e todos os interessados é uma caraterística que levou o Brasil a ter, no passado, uma das políticas de maior sucesso do mundo. Este diálogo e parceria, em nossa opinião, precisa de uma urgente melhora para mantermos o que foi conquistado. O reconhecimento dos direitos das pessoas com HIV e dos grupos mais vulneráveis ao HIV deve embasar qualquer política de saúde para ter sucesso. O patrocínio das ações da sociedade civil em AIDS também deve persistir e ser facilitado.
Consideramos ato de discriminação a realização de testes de HIV/aids em concursos públicos e para o ingresso no mercado de trabalho, em geral, pois tais ações desconsideram a cidadania plena da PVHA. Propomos que se cumpra a Lei Nº 12.984, de 2 de junho de 2014.
Também faz-se necessário garantir e reforçar o compromisso com a defesa de direitos humanos e o cumprimento efetivo das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), balizado nos Art. 196 a 200 da Constituição Federal de 1988 para todas as PVHA do Brasil.
É imperativo, ainda, garantir o cumprimento da Portaria Nº 3276/2013, do Ministério da Saúde, especificamente o Art. 2º, sobre o apoio às organizações da sociedade civil, a manutenção das Casas de Apoio para Pessoas Vivendo com HIV/AIDS e para a aquisição da fórmula infantil para crianças verticalmente expostas ao HIV.
Salientamos que a gravidade da epidemia, em ascensão, e a variedade de aspectos dos quais qualquer ação profunda neste campo deve dar conta, desde a ampliação do acesso às tecnologias de prevenção e o acesso aos medicamentos que possibilitem um tratamento sem eventos adversos importantes, entre outros aspectos listados acima, torna necessária a existência de uma estrutura federal devidamente equipada, e formada por funcionários informados e comprometidos.
Por último, manifestamos nossa preocupação com a afirmação no documento “Ponte para o Futuro”, que explicita desobrigar para diminuir as despesas de saúde – e também de educação. O Brasil, segundo dados do Banco Mundial, é o país que tem menor proporção de despesa pública nas despesas de saúde, variando entre 44% e 46%, entre aqueles que têm um sistema universal de saúde como o SUS. Isto deve-se principalmente à queda da contribuição federal no gasto público da área. Num momento de alta do desemprego, um retrocesso neste setor seria particularmente nocivo. De qualquer modo, o uso de flexibilidades previstas na lei de patentes 9279/1996 permitiria ao Brasil produzir localmente ou importar de países a preços mais vantajosos, medicamentos importantes e atuais para o tratamento do HIV e da hepatite C, realizando assim economia de recursos financeiros, desenvolvimento da indústria nacional, menor dependência do exterior em áreas estratégicas e cumprir com a exigência constitucional de acesso à saúde.
Colocamo-nos à disposição de V.Exa. para discutirmos, aprofundarmos e colaborarmos no enfrentamento deste flagelo que atinge o Brasil inteiro,
Cordial e solidariamente,
Vando Oliveira
Secretário Nacional de Articulação Política
Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS